5.19.2009

NÃO SEI O QUE NEM QUERO SABER

Não sabe e não quer saber?

Tem gente que sabe
Buscando quem quer saber.

E quem quer saber
Buscando quem sabe.

Quem sabe um encontra o outro?
Outro que sabe

Não quer que ninguém saiba,
Porque se souberem
Não vão mais querer saber.

Se souberem o que ninguém sabe
Saberão porque ninguém sabe.

E os que não sabem
Ficarão sem saber.

O que se sabe
É que o que se sabe
Nem sempre é o que se deveria saber,

E o que se deveria saber
Nem sempre se sabe ao certo.

O que ninguém sabe, no entanto,
É o quanto se sabe,
E quanto se deveria saber.

Pois, realmente, o que se sabe
É o que dizia o sábio:
“Nada sei. Só sei que quanto mais sei mais sei que menos sei”.

Portanto, não sei e nem quero saber!

VOLNER AMARAL

5.04.2009

O PRAIÃO DE SANTA LUZIA


Numa época em que o carioca sequer pensava em tomar banho de mar, o centro do Rio de Janeiro abrigava um verdadeiro praião. Hoje só existe aterro por lá e o mar apenas pode ser visto dos prédios, coisa que também não existia na época. À frente da praia, a igreja de Santa Luzia, que lhe dava o nome, construída em 1592 em terreno doado por João Pereira Lemos e sua esposa, ainda estava em sua localização original, a pouca distância da atual, que é do final do século XIX e já havia recebido duas torres e uma ampla e bem trabalhada porta.

Para se ter uma idéia de como praia era algo totalmente alheio ao estilo de vida carioca, basta dizer que a de Santa Luzia também era conhecida como Praia da Forca, devido à existência de um pelourinho nela, e também abrigava um cemitério de indigentes ao redor. Até meados do século XIX, também era o endereço do matadouro da cidade. Menos convidativo, impossível.

Na liturgia católica, Santa Luzia é a santa que protege os olhos. O príncipe-regente D. João, chegado aqui em 1808 com toda a sua Corte fugida de Napoleão, era católico da cabeça aos pés e com certeza agradeceu muito a Deus por ter chegado são e salvo à sua mais rica colônia. Foi por toda essa fé que, em 1817, o príncipe disse ao Intendente Geral Paulo Fernandes Viana que queria ir à igreja de Santa Luzia para cumprir a promessa de cura de um problema que seu neto, D. Sebastião, tivera nos olhos.

Bem, de simples o pedido de D. João não tinha nada. Qualquer movimentação sua pela cidade exigia uma grande infra-estrutura logística. Carruagens, cocheiros de fardas, cadetes na frente, lacaios atrás (com jarro d´água e goiabada), escolta, padre, jumento com criado e pinicos feitos de pura louça pintada, além de outras parafernálias, tudo tinha de ser devidamente preparado. Ou seja, mesmo que quisesse sair apenas para comprar um galetinho na esquina, D. João daria muito trabalho a muita gente.

Mas isso constituía a rotina do príncipe e precisava sempre ser feita. O pior era que o trajeto até a igreja, também chamado de Caminho da Forca, era muito estreito e não permitia a passagem da comitiva. Além disso, para piorar, a região ficava constantemente alagada.

Foi preciso então fazer uma espécie de “choque de ordem”, para usar uma expressão da moda. O estreito caminho para se chegar à igreja e à praia foi alargado, embora para isso fosse preciso derrubar o muro da chácara de d. Ana Francisca de Jesus, que recebeu uma indenização de 800 mil réis no ano seguinte. Provavelmente estava bem aquém do valor do terreno, mas não adiantava reclamar. Não havia Procon nem colunas de ´Defesa do consumidor´, haja vista a absurda lei que obrigava os donos das melhores casas da Corte a cederem suas residências por um determinado tempo aos nobres ociosos.

Depois que perdeu estas companhias indesejáveis, ainda no século XIX, a praia de Santa Luzia acabou se tornando a predileta dos clubes de regata e das casas do banho de mar, como a Charneca da lua e a Sociedade Alemã de Ginástica. O mais curioso é que as pessoas tomavam banho de mar amarradas a cordas presas em trapiches. Como se vê, ´pegar uma praia´ na época era um programa dos mais exóticos para um povo que usava trajes europeus em pleno calor tropical.

RETRATOS URBANOS


A matéria-prima da fotógrafa Elisa Gaivota é a mesma da Elisa escritora, que eu ainda irei divulgar neste espaço: a sensibilidade em perceber o sentimento e a expressão das pessoas. Como disse Evandro Teixeira: enquanto todo mundo focava o presidente para um monte de fotos iguais, eu focava o povo, na esperança do inusitado.

Algumas de suas fotos lembram os filmes do cinema novo, Gláuber e Nélson Pereira dos Santos principalmente, e não por acaso, afinal esses cineastas dirigiram suas lentes para o povo e sua intensa capacidade de expressão. Duas fotos com sorrisos, uma de uma mulher e outra de um homem, captam uma alegria intensa, que com certeza teriam uma intensidade muito menor se fossem tiradas um milésimo de segundo antes ou depois. O homem que olha para a estátua de Zumbi favorece uma múltipla leitura, de devoção, afinidade ou esperança. Ou as três juntas.

A primeira foto, do malabarismo na praça, não apenas tem o momento preciso do equilíbrio, mas também, e aí, o paradoxo, pois a foto teoricamente é uma imagem ´parada. É a mesma situação de um pintor que consegue criar movimento na tela parada. Ali gostei também da centralização do movimento, a rodinha em volta, tudo muito bem enquadrado.

A foto tirada na pista Cláudio Coutinho também me chamou a atenção pelo enquadramento, o pescador preso numa interseção que permite até uma leitura meio sensual, se formos perceber duas pernas na árvore que se debruça sobre o mar.

Escolhi apenas algumas fotos para falar, pois o principalmente aqui é dar uma opinião geral sobre o que achei da mostra, que, aliás, tem um ótimo título. Resumindo, o fotógrafo artista é aquele que não apenas registra os fatos, mas deixa uma ampla gama de possibilidades de livre interpretação, mas sempre baseadas na beleza, na percepção estética do belo, que muitas vezes surge até em meio à miséria, como nas fotos de Evandro Teixeira sobre o sertão e na foto que você faz dos meninos saindo da água poluída da Baía de Guanabara, na praça XV. Poderíamos imaginar aqueles garotos saindo da piscina de um centro esportivo, tal a alegria deles, o que gera, e aí a sua percepção do lado humano, a possibilidade de mudança da situação deles, do que ´poderia ser feito´, enfim, a foto como elemento transformador social. Engraçado que sempre vejo garotos nadando ali e imaginei que daria uma ótima foto.

A percepção do seu talento me permite dizer que você une a intuição do artista com o olhar rápido e atento do fotojornalista.

- A exposição "Retratos urbanos" estará no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, no bairro de Campo Grande, entre 26 de maio e 7 de junho. E todo o trabalho da Elisa, inclusive as fotos que menciono neste texto, estão publicadas no blog dela (www.elisagaivota.blogspot.com).