6.15.2009

CAMARÃO!


Sempre achei que o brasileiro só se unia em Copa do Mundo, mas depois do que vi no centro do Rio de Janeiro outro dia mudei de idéia.

Vinha eu flanando numa bela tarde de quarta-feira pela rua do Rosário quando ouvi o burburinho à frente, uma agitação no ar e algumas pessoas gritando. Pensei logo em confusão, assalto ou algo assim, mas havia um carro da polícia e o policial estava tranquilamente encostado nele e rindo um pouco. Todos olhavam em direção à rua Uruguaiana, inclusive os que gritavam bem alto a palavra que eu já podia identificar: “Camarão!” Fui andando mais um pouco e não consegui perceber o motivo da agitação, que se propagava pelas lojas e pelos transeuntes, como se todos já soubessem a senha e também gritassem: “Camarão!”, algumas vezes seguida dos epítetos nada lisonjeiros de “Corno!” e “Chifrudo”!

Foi ao me aproximar da esquina com a Uruguaiana que, enfim, cheguei ao motivo da balbúrdia. Um homem de uns 50 anos, baixo, mais ou menos forte, todo arrumado (com camisa social para dentro da calça), carregando uma pastinha e com cara de invocado. O sujeito esbravejava, jogava os braços para o alto e fazia xingamentos em direção à turba, sendo que o mais leve era “É a mãe!”.

Achei que a coisa iria parar ali, seria mais uma provocação dessas que às vezes encontramos em centros urbanos, dirigidas principalmente a pessoas excêntricas e que respondem aos desaforos. Mas não, a coisa continuou. Entrei na Uruguaiana, bem perto do tal sujeito, e o mais incrível é que no novo espaço outras pessoas continuavam os impropérios, como se fosse realmente combinado. Porteiros, camelôs, transeuntes, vendedores, que iam à frente da loja, botavam a mão em forma de concha ao lado da boca, e gritavam, bem alto: “Camarão!”, “Corno!”, para depois voltarem correndo para o interior da loja, como uma brincadeira de recreio. E o sujeito seguia firme, voltando de vez em quando para xingar também de forma ríspida, vermelho como um...camarão.

Eu já o seguia bem de perto e não conseguia parar de rir com o inusitado da situação. Ao passarmos a Igreja do Rosário, a situação atingiu proporções impressionantes, pois no prédio comercial em frente as pessoas iam à janela para gritar a mesma palavra, o garçom do bar ao lado, as pessoas na mesa, o contínuo que passava de moto, a coisa continuou no mesmo ritmo no Largo de São Francisco. De vez em quando, o tal Camarão encontrava algum interlocutor solitário e esbraveja com ele, recebendo como resposta algo do tipo: “Não liga não, esse pessoal é muito bobo”, no que ele respondia, cuspindo para todos os lados: “São é uns filhos das putas! Não têm o que fazer!”. Alguém perto de mim decifrou o enigma e disse: “Ih, esse cara é corno lá no Bairro de Fátima, o pessoal vai gritando até lá”!.

Entrei na rua da Conceição e deixei o Camarão de lado, achando tudo muito engraçado, mas lamentando apenas que esse fervor solidário em torno de um objetivo, no caso, de se divertir às custas de uma pessoa raivosa, não fosse usado para outros fins, como o de, por exemplo, exercer a cidadania.